Visão e Dominação: elementos de uma socioanálise da percepção

Danilo Farias da Silva Mestrando em Sociologia da UNICAMP.

Para Lacan, há uma distinção entre o olho e o olhar. Em A Distinção, Bourdieu situa as noções kantianas na critica social da faculdade de julgar. Nossos olhares, juízos, classificações, representações, decodificações e percepções da realidade do mundo social não são puras, neutras e muito menos naturais. A realidade social é uma construção que se impõe a visão de maneira complexa, objetivando com isso interesses de classe que objetivam a objetivação simbólica do senso comum. Essa violência simbólica que estrutura no inconsciente dos agentes uma dominação invisível ao olho, é o que permite encobrir a reprodução das desigualdades e demais processos sociais que colonizam o real. Nesse ínterim, partindo do conceito lacaniano de pulsão escópica, e do conceito bourdieusiano de habitus enquanto esquema de percepção vamos discutir por meio da socioanálise a dialética que se estabelece entre o princípio da visão e a estrutura simbólica de dominação.

Apontamento metodológicos para uma sociologia das obras: As abordagens de Antonio Candido e Pierre Bourdieu

Henrique Pasti Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp). Contato: .

Tomar por objeto uma obra intelectual (literária, artística, científica ou teórica) a partir de uma perspectiva que se reivindique sociológica requer que, de alguma maneira, a abordagem leve em conta fatores socialmente condicionantes e a maneira como tal condicionamento se dá, elementos que, da perspectiva da fruição ou da análise da obra em si (como faz, por exemplo, a crítica), são considerados "externos" à obra. Ainda assim, nada veda a uma tal análise levar em conta também a obra em si mesma --- na medida em que, no entanto, não faça abstração de tais condicionantes sociais.

Optar por uma análise separada do conteúdo da obra e de sua posição no espaço social, ou buscar uma análise integral, que procure olhar para a obra e seu contexto como uma unidade? em que medida conhecer o contexto ilumina a compreensão do texto e em que medida essa nova leitura revela outros elementos "externos" que levam (ou não) novamente a uma melhor compreensão da obra? --- são algumas das questões metodológicas que tal relacionamento entre elementos internos e externos, a obra e seu entorno, trazem.

Em busca de uma metodologia objetivamente fundada para uma abordagem integral de obras intelectuais que leve em conta tanto os elementos "externos" quanto os "internos", é imprescindível conhecer também os métodos empregados por outras disciplinas. Procurando pensar algumas algumas dessas questões, este trabalho irá refletir sobre abordagens de dois autores que se dedicaram, em suas respectivas áreas, a uma abordagem integral da obra em seu contexto.

Antonio Candido, o crítico literário brasileiro, e Pierre Bourdieu, o sociólogo francês, desenvolveram abordagens muito interessantes do relacionamento entre literatura e sociedade --- relação que reside no centro da tensão entre, por um lado, a sociologia e a literatura e a crítica literária por outro. Suas abordagens visam, ambas, a uma análise global de seu objeto, a qual não separa sociedade e obra de arte (ou, se se quiser, texto e contexto): para ambos, texto e contexto são inextrincavelmente vinculados de uma tal maneira que não se pode compreender completamente uma obra literária sozinha, sem referência ao contexto social em que é produzida. Contudo, na medida em que esse interesse por uma análise integral e orientada à totalidade da obra é compartilhada, as duas abordagens diferem substancialmente em diversos aspectos. Essa diferença se deve, sobretudo, às ênfases específicas que cada um atribui a cada um dos polos deste binômio texto-contexto, que são, por assim dizer, refrações das posições acadêmicas que cada um ocupa: ao trazer o contexto social para o interior mesmo da obra de arte, Candido é capaz de praticar sociologia mantendo-se no interior de sua própria área de estudo --- crítica literária ---, enquanto, ao olhar para a obra de arte como produto de um campo literário que a condiciona ao oferecer um conjunto de posições possíveis e no qual a obra de arte mesma serve como uma tomada de posição, Bourdieu consegue praticar crítica literária mantendo-se sociólogo.

A dinâmica diferencial dos campos

Juliana Closel Miraldi

De acordo com Bourdieu o mundo social divide-se em campos relativamente autônomos, portadores de um nómos próprio, constituído, por sua vez, pela história particular de lutas e disputas internas de cada campo e que não podem, portanto, ser reduzidas as de outros campos. Contudo, se os campos são relativamente autônomos eles os são em relação a quê? A fim de clarificar esse problema conceitual, apresentaremos três relações de determinação que regem a dinâmica diferencial dos campos, a saber, a causalidade transitiva, a causalidade imanente e as práticas de Estado.

Problematização de uma sociologia da arte

Matheus Silveira Mendes

Encontramos na obra do sociólogo francês Pierre Bourdieu notáveis ganhos para a análise sociológica tematizada em torno da arte. Introduz a seu modo divergências teóricas em relação às correntes mais comuns na sociologia da arte que pretendem superar limitações de anáilse. A inovação se faz acompanhada de um rearranjo da dimensão “estética” de sua “teoria sociológica”, a começar pelo objeto da sociologia da arte: antes de “sociologia da arte” puramente, sociologia dos bens culturais, do gosto e da consumação cultural, sem o udo desmedido do termo “arte”, que detém, na tradição cosmopolita, seu sentido restritivo. A “ciência do gosto e da consumação cultural” deve, portanto, abolir a sagrada fronteira que cerca a cultura legítima para descobrir as relações inteligíveis que unem a consumação estética, isto é, ouvir música, frequentar o teatro, assistir a filme, e a consumação ordinária, como vestir roupas, comer comidas e dirigir um carro, em detrimento da oposição, feita pelo menos desde Kant, do “gosot dos sentidos” e do “gosto da reflexão”, do prazer “fácil” e do prazer “puro”. Sempre disposta a ser símbolo de excelência moral e à medida de quão sublime pode ser o homem verdadeiramente cumpridor de todas as potências humans, a existência de algo como uma cultura legítima, sempre definida em detrimendo de seu par oposto, implica em uma dimensão da arte como legitimadora de diferenças sociais.

O “jovem” Bourdieu: Consciência e trabalho na gênese de uma categoria ontológica?

Tábata Berg

A presente proposta tem por intuito, partindo de uma dupla leitura – imanente e transcendente –, analisar a seguinte hipótese: Seria o habitus uma categoria ontológica? Para tanto, fizemos uma incursão na gênese da teoria do habitus elaborada pelo “jovem” Bourdieu. A relação entre a consciência, as práticas e as condições objetivas foi ponto de partida da reconstrução gênese desta possível categoria. Bourdieu, em sua juventude, estabelece a primazia das condições materiais de existência – condições econômicas e sociais – sobre a consciência (habitus) e as práticas. No entanto ele explicita que essa relação não pressupõe, de forma alguma, um reflexo mecânico, onde o habitus e as práticas seriam determinações diretas da condição objetiva. Esse caráter não mecânico só pode dar-se por meio da mediação ativa da consciência: “A atitude econômica de cada sujeito depende de suas condições materiais de existência pela mediação do devir objetivo do grupo do qual ele faz parte ou, mais precisamente, pela mediação da consciência”* (BOURDIEU, 1963, p. 346). Ao mesmo tempo, o trabalho surge como elemento ativo a partir do qual a consciência (habitus) coloca-se enquanto mediadora, rompendo com o determinismo mecânico presente nas condições materiais de existência compreendida em seu caráter mudo e causal.

Bourdieu e a sociologia da cultura

Ana Paula Sousa doutoranda no IFCH

A pergunta que este trabalho se propõe a responder é: por que Bourdieu é um bom modelo de análise para os estudos relativos às políticas culturais no âmbito da sociologia?

Tomando por base, de um lado, o modelo analítico desenvolvido por Bourdieu e, de outro, a política cinematográfica implementada no Brasil a partir dos anos 2000 (tema da minha pesquisa de Doutorado), procurarei destrinchar os conceitos do sociólogo francês que mais contribuem para uma pesquisa empírica sobre as políticas públicas de cultura.

O pressuposto deste trabalho é que Bourdieu, ao explorar a relação entre sistemas de pensamento, instituições e formas de poder material e simbólico, oferece um interessante instrumental para o pesquisador que deseja estabelecer uma relação entre as práticas culturais e um processo social mais amplo.

Além disso, os conceitos de habitus e de campo parecem se prestar muito bem à análise das “lutas simbólicas” do setor e do papel que intelectuais e artistas tiveram na construção da política a ser estudada – interessa-me aqui, sobretudo, a idéia de que os agentes não agem num vácuo, mas sim em situações concretas governadas por relações sociais objetivas.

O trabalho pretende ainda estudar a relação entre os diversos tipos de capital – simbólico, cultural, social e etc. – mobilizados pelos agentes envolvidos e a determinação de políticas que tendem a privilegiar determinados tipos de produção cinematográfica em detrimento de outras. Nesse sentido, o campo do cinema me parece bastante adequado para a exploração de uma das preocupações centrais de Bourdieu, que era entender o papel da cultura na reprodução das estruturas sociais.

Uma análise do processo de implementação da Universidade Nova no Brasil a partir da teoria de Pierre Bourdieu.

Cinthia C. Santos

Considerando-se o caráter objetivo das divisões e classificações sociais e o importante papel das representações simbólicas nas lutas de classe, pretende-se com este trabalho analisar o processo de discussão e implementação da Universidade Nova no Brasil – que prevê uma nova arquitetura da organização curricular-programática dos cursos de graduação e pós-graduação – a partir de uma conjuntura educacional internacional, qual seja, a de competitividade entre os sistemas de ensino de dois grandes blocos econômicos: EUA e União Europeia. O modo como essa competitividade se manifesta nas novas reformas do ensino superior brasileiro, sob a ótica da teoria geral dos campos de Pierre Bourdieu, e a constante reprodutibilidade do sistema social com base no sistema de ensino, pressuposta pelo mesmo autor, servirão de fundamento para a análise aqui proposta. Objetiva-se, portanto, indagar sobre o estado das lutas classificatórias no âmbito do ensino superior brasileiro, diante da implementação de novos cursos de graduação interdisciplinares, como prevê o projeto da Universidade Nova.

“Poderosa, linda e perigosa” e o embaralhamento das fronteiras

Luã Ferreira Leal Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia

Sem permanecer atrelada aos referenciais teóricos e metodológicos da musicologia ou da etnomusicologia, esta análise da apropriação de símbolos transnacionais do mercado de bens simbólicos avaliará a flexibilidade de fronteiras da legitimação cultural. A canção “Poderosa, linda e perigosa”, gravada pelas bandas de forró eletrônico “Furacão do Forró” e “Forró na Veia”, utiliza a base melódica e as batidas sampleadas de “We found love”, hit produzido pelo DJ Calvin Harris com registro vocal de Rihanna. Como a produção de outras bandas de forró eletrônico, de axé music e de pagode – seguindo a visada interpretativa de Pierre Bourdieu, três gêneros associados ao binômio produção/consumo das camadas que possuem menor acúmulo de capital cultural na sociedade brasileira –, “Poderosa, linda e perigosa” pode receber a alcunha de música comercial, massificada, vulgar, popularesca ou ser definida como mero produto da indústria cultural. A letra não corresponde à tradução do single do álbum “Talk That Talk” de Rihanna, apenas é uma apropriação das batidas de música eletrônica, que se tornaram recorrentes em vários hits lançados recentemente, e da melodia. No entanto, apesar de tal reordenação das linhas classificatórias, a questão da autenticidade permanece enquanto valor reivindicado por alguns privilegiados artistas que alegam vínculo com a tradição da “boa música” popular brasileira, com as raízes e os pioneiros dos gêneros matriciais da musicalidade nacional.

A música pop tem seu registro centrado na experiência da indústria cultural dos Estados Unidos, quando reelaborada em outros contextos passa a ser adjetivada, por exemplo, K-Pop e J-Pop para abranger os conjuntos vocais masculinos ou femininos e intérpretes da Coréia do Sul e do Japão. O debate, portanto, está centrado no uso de categorias, rótulos que servem de atalho para apreciadores de determinados gêneros pesquisarem nas prateleiras de lojas de CD, nos sistemas de comercialização de fonogramas digitais – em especial, o iTunes – , em canais de vídeo ou de música em streaming.

Tema especialmente relevante na produção de Bourdieu, a sociologia das classificações sofre limitações quando amparada por um quadro conceitual estático. Ao operar com a proposta teórica de qualquer autor, fica clara a necessidade de efetivar ajustes para inserir os processos históricos na abordagem dos problemas sociológicos. No que tange à “cultura da classe dominante”, as fronteiras estabelecidas na obra “A Distinção” [“La Distinction”, 1979] devem ser transpostas com acuidade para outras conjunturas históricas ou para casos de apropriação de símbolos na performance, na melodia, na letra ou nos arranjos quando tratamos da música popular. Para a compreensão do embaralhamento de fronteiras, serão visitadas questões encadeadas à análise das formas de classificação após a ressemantização da música pop em contextos periféricos: a noção de cópia e a de originalidade; as condições de pesquisa sobre objetos fugidios, como os gêneros híbridos; as relações entre centros de produção e de recepção dos bens culturais vinculados às majors do mercado de entretenimento; e, por fim, a redefinição dos marcadores de autenticidade brasileira no mercado de música.

Análise sobre consultas públicas pela Internet a partir do pensamento bourdieusiano

Raphael Silveiras

Neste trabalho iremos apresentar uma possibilidade de utilização da chave de pensamento bourdieusiana na Internet. Para isso, iremos recorrer a autores que dissertam sobre a Internet e as relações que passam a se estabelecer por meio da rede mundial de computadores – como Barry Wellman, Castells e Alexander Galloway – bem como a dois objetos empíricos que serviram de base para o desenvolvimento da nossa pesquisa de mestrado, as consultas públicas realizadas pela Internet do Marco Civil da Internet e da Reforma da Lei de Direito Autoral (LDA). A consulta pública para o Marco Civil da Internet se realizou entre 2009 e 2010 com o objetivo de obter uma relação harmônica entre direito e rede por meio da regulamentação da Internet no Brasil. A consulta para a reforma da Lei de Direito Autoral (LDA) aconteceu no ano de 2010 e teve uma segunda fase em 2012. Ela foi realizada com a finalidade de manter o equilíbrio entre direito de acesso a conteúdos e o direito autoral, visto que a Lei atual de Direito Autoral (9610/98) está defasada frente ao desenvolvimento de novas tecnologias.

Habitus: composição e influência

Raul Vinícius Araújo Lima

Partindo do pressuposto de que a educação é mais que um espaço da grande engrenagem social, as práticas dos sujeitos que constituem e são constituídos por esse espaço não podem ser analisadas de maneira supérflua, pois, cada possibilidade de conflito de interesses entre esses sujeitos, por exemplo, é delimitada por diferentes habitus. Desta forma, discutir qual a função e como o habitus é composto nos oferece uma ótica para observarmos a relação entre estrutura e agência, ao mesmo tempo em que me parece o caminho de fuga face às interpretações demasiadamente objetivas ou subjetivas. Assim, tendo em vista as diferentes práticas engendradas acerca de uma mesma parcela da realidade social, se faz necessário observar como as diferentes histórias, categorias sociais e condições de vida dos diferentes sujeitos constituem e são constituídas por esse espaço social reservado à educação, isso para além de um pensamento ingênuo de reprodução social. Neste sentido, tento fomentar aqui essa discussão a respeito do empreendimento desenvolvido entre agência e estrutura, com a intenção de demonstrar como a prática educativa sofre graves embates produzidos pelos diversos interesses que a compõem.

A produção artística e o pensamento Bourdieusiano

Thiago Barbosa Aoki

Ao debruçar-se sobre a produção simbólica, um dos temas mais discorridos por Pierre Bourdieu durante sua produção acadêmica foi a arte, em seus diversos aspectos. Neste sentido, é possível compreender, no autor, uma análise sobre a produção artística que extrapola o conteúdo temático ou técnico da obra de arte em si, inserindo-a - tanto em sua produção, como em seu consumo - enquanto um dos elementos privilegiados para evidenciar as relações sociais e trocas simbólicas previamente estabelecidas. Este trabalho pretende retomar os principais pontos levantados por Bourdieu sobre a arte, mais especificamente sobre a produção artística, a partir dos conceitos de campo e luta simbólica delineados pelo autor. O objetivo do trabalho é, a partir da análise desses elementos, derivar possíveis contribuições e reverberações da teoria bourdieusiana para uma análise e compreensão da produção artística.